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Nas trincheiras da cultura, por Rapha Pinheiro


Coluna do Editor, Almanaque Guará #05




Hoje eu queria conversar com vocês sobre diálogo. Não estou falando aqui sobre balões, recordatórios ou nada do tipo. Diálogo mesmo, troca de ideia entre duas pessoas e como abordagens diferentes podem contribuir para um único objetivo comum.


Ao meu ver, existem duas lutas que devem ser travadas simultâneamente: a guerrilha do dia-a-dia e a mudança sistêmica e estrutural. As duas são importantes e as duas possuem papéis diferentes na construção de um mundo melhor.


Se alguém faz algo errado, é importante que existam pessoas que apontem esse erro e, se ele causou algum mal, tentem remediar o que aconteceu. Essa é a guerrilha do dia-a-dia, que está aí se posicionando ativamente contra as injustiças e opressões que vemos o tempo todo. Esse tipo de luta exige um pulso firme e uma postura às vezes agressiva, necessária para barrar certas atitudes e abusos que não vão ser resolvidos na base da conversa.


Ao mesmo tempo, ficar dando remédio pra aliviar a dor não cura a doença, e alguém precisa ir na fonte pra tentar impedir que essas atitudes apareçam pra começo de conversa. Essa é a mudança sistêmica, bem mais lenta e sutil, que é feita através de bons exemplos, de projetos edificantes, da naturalização de situações que eram vistas como absurdas ou proibidas pela galera conservadora. Essa mudança acontece com a educação, com o diálogo, com a apresentação de temas pertinentes para os mais jovens, fazendo com que eles tenham um pensamento crítico e se formem adultos melhores em alguns anos.


Apesar de serem metodologias bastante diferentes, as duas possuem os mesmos objetivos e devem trabalhar em conjunto para que a mudança que se procura seja duradoura e estável.


Vamos dar um exemplo nos quadrinhos pra ilustrar isso melhor?


Imagina que você é um autor e quer que seu quadrinho ganhe o mundo. Você tá lá, na labuta, fazendo página todos os dias. Seu papel é a guerrilha, é produzir sempre e entregar o melhor possível. Ao mesmo tempo, seu editor e sua editora estão cavando um bom preço de gráfica, um planejamento de marketing, fechando parcerias com influenciadores, tudo isso para que seu quadrinho não fique só lindo, mas chegue em mais pessoas e toque mais leitores.


Se o quadrinista faz um quadrinho incrível mas não tem como colocar na praça, vai ser um quadrinho incrível a mais na gaveta dele. Da mesma forma, se a editora cavar várias pautas com grandes veículos ou conseguir investidores para o projeto e ele for bem fraquinho, só vai se queimar com promessas falsas para seus parceiros.


Em resumo, o importante é que tanto a luta diária da guerrilha quanto a luta mais lenta de conversão estrutural se ajudem para que a mudança seja alcançada. O que não dá pra acontecer é uma encrencar com a outra e ninguém andar pra frente, né?


Imagina só se o quadrinista da nossa história não deixasse a editora entrar em contato com a galera de fora da bolha dele pra conseguir novos públicos ou só deixasse ela mandar material pra quem já acompanha seu trabalho? Imagina agora se a editora manda o artista refazer todas as páginas toda semana e não deixa ele avançar com a produção?


Pra qualquer objetivo de grande porte ser alcançado, é preciso que as partes se comuniquem e trabalhem em sintonia. Ninguém vai salvar o mundo sozinho. Ninguém vai publicar um grande gibi sozinho. Mesmo que existam diferenças entre os papéis na luta ou divergências de metodologia, estamos juntos nessa trincheira e precisamos trabalhar de forma colaborativa. Bora conversar e se ajudar? Bora estabelecer um diálogo com a finalidade de chegar num objetivo comum?


Quem estará nas trincheiras ao teu lado?

-E isso importa?

-Mais do que a própria guerra.

-E. Hemingway-


Rapha Pinheiro é Editor-chefe do Universo Guará.



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