“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.”
“Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.”
“Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.”
“Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.”
“O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.”
“Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.”
“Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju (**)”
“Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?”
“Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.”
“As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.”
“O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à ideia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.”
“Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As ideias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as ideias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.”
“A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.”
“Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.”
“OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga
Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha."
(Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)
Ainda antropofágicos? Olhe ao redor, caríssimo canibal (Quem olha?!), tudo nos habita, tudo insiste em desapropriar. Deglutimos pouco. A fome, aqui de onde saímos, terra de quadros, verbo e imagens em cópula permanente, a fome aqui tem alguns infinitos para tomar de xerimbabo: o nosso para começar, sempre em busca de retornar (brasileiro) o brasileiro à sua própria “essência”, à sua heresia original, originária.
Eis uma singelíssima homenagem à herança de 22 e a fidelidade selvagem a muitos dos seus desdobramentos. A intermidialidade que permite aos quadrinhos a apoteose máxima do olhar enquanto imaginação e enquanto estética é, segue o risco à especulação, um território de privilégios (portanto que venha a multidão), uniões e banquetes numa potência quase que insuportável ao criador/leitor/artista menos esclarecido ( no sentido a-histórico, rebelde) em sua miragem eremita e há muito já caducada. A coletividade nos quadrinhos engrandece e educa em tantos níveis e trocas que de outra maneira não teríamos horizonte. A colaboração incessante descamba sempre e (meio que) espontaneamente em dialética viva, concreta, num tiroteio de semióticas que a todos en(s)tranha e, louvos a Dionísio e à carne crua devorada por bacantes, enraíza a sua maneira.
Portanto, portanto, por tanto...continuemos a comer nossos ídolos, cada um a seu tempo, em todos os tempos e chaves de compreensão, famintos por carnaval (ontológico, etc), anti-imperialistas, decalcados, alienados energeticamente e entre estômagos primitivos, arcaicos, cósmicos. “A alegria é a prova dos nove.”
Fazer o Brasil dar certo, acertar o passo, construir compromissos, criar imagens, conceitos, palavras outras, outras formas, cores, ritmos, afetos...os espólios de 22, tomemo-lo pelos verdadeiros canibais, estão em toda parte.
Aliás, devoremos a utopia.
País das palmeiras.
Ano 468 da deglutição do Bispo Sardinha. Ano 2 da Kriança índia cá entre nós da Guará.
RK
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