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Desenhar bem não faz de ninguém um bom quadrinista, por Rapha Pinheiro


Coluna do Editor, Almanaque Guará #02




Desenhar bem não faz de ninguém um bom quadrinista.


Eu sei que parece uma frase meio bruta, mas acho que podemos elaborar um pouco sobre ela aqui. Afinal de contas, um dos meus trabalhos é escolher com quem trabalhar e quem convidar para fazer quadrinhos na Guará.


É muito comum que o aspirante a quadrinista ache que desenhar é a habilidade que precisa ser dominada. Não se engane, desenhar é essencial. Apesar disso, se você desenha super bem, será um excelente desenhista ou ilustrador, não necessariamente um quadrinista. Qual a diferença? Bem, o quadrinista usa o desenho como ferramenta para contar histórias e não como um objetivo final.


Se você quer fazer quadrinhos, precisa aprender a contar histórias através de desenhos. Desenhar bem aqui ajuda, óbvio, mas você precisa saber mais do que isso. Narrativa gráfica, ritmo, condução do olhar, decupagem... Existem várias coisas que um quadrinista precisa dominar para que seja um bom contador de histórias. Note que nem estou falando de roteiro aqui, isso é toda uma outra conversa que podemos ter no futuro!


A primeira coisa que qualquer agente te pede na hora de apresentar um portfólio é ver uma página pronta. Desenhos são legais, pin-ups de personagens são bonitos, mas isso só mostra que você desenha, não que você conta histórias com desenho.


Eu iria mais longe, agora que já tenho mais de 50 artistas que passaram por aqui desde que essa empreitada da Guará começou (e, fique calmo, você vai ver a maioria deles aqui nos próximos meses): ter um bom trabalho não resolve seu problema. Mesmo que você saiba contar boas histórias através de desenhos, ainda existem duas coisas essenciais para que um editor te queira na equipe.


Uma delas é o seu gerenciamento de tempo, ou seja, se você é alguém que cumpre prazos. No mundo dos quadrinhos, prazo é algo importantíssimo e que pode determinar se você vai conseguir ou não um trabalho. As editoras trabalham com calendários fechados e é preciso que o artista se comprometa a entregar as coisas no tempo que foi combinado. Claro que não estou falando aqui de ficar virando noite e fins de semana para entregar página, mas combinar um prazo e honrar esse compromisso.


Conheço alguns artistas com um trabalho lindo, mas que sei que não dá pra convidar para o Almanaque por conhecer um histórico de atrasos. Você não quer ser esse cara na cena de quadrinhos. Imprevistos acontecem, mas conhecer o próprio processo e entender o tempo que se leva para trabalhar é essencial para não entrar em roubada e ficar devendo página e queimando seu filme por aí.


Por fim, chegamos no ponto mais complicado e mais subjetivo se você for chamado para trabalhar em um projeto seriado: ser uma pessoa agradável.


Essa parte é bem complicada de tentar categorizar ou definir, já que pessoas são diferentes e nem todo mundo sente afinidade por todo mundo. Ainda assim, é importante que você seja uma pessoa... vamos dizer... fácil de lidar.


Artistas que se irritam quando precisam fazer alteração, que não estão abertos a receber críticas, que não são cordiais na hora de se comunicar com os outros... acabam não conseguindo muita coisa por aí.


Parece bobeira, mas ser alguém legal, divertido de conversar e interagir, vai tornar a experiência de trabalho mais agradável e a sua chance de conseguir trabalho melhoraria significativamente.


Ficar de olho nisso tudo não é fácil e, muitas vezes, o portfólio das pessoas não fala nada sobre prazo, educação, ou ser alguém fácil de trabalhar no dia a dia. Por isso essa escolha é bem criteriosa e, fique sabendo: estamos de olho.


Rapha Pinheiro é Editor-chefe do Universo Guará.






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